É legítimo recorrer a medicamentos para melhorar desemprenho mental?
Por: Barbara J. Sahakian e Ahmed D. Mohamed
Quem poderia ser contra drogas que ajudam as pessoas afetadas por distúrbios mentais, como a esquizofrenia? Esses tratamentos, conhecidos como reforçadores cognitivos farmacológicos (PCE na sigla em inglês), podem melhorar a memória, a atenção e a motivação. O metilfenidato (Ritalina), por exemplo, ajuda as crianças com distúrbio de hiperatividade e déficit de atenção a se concentrar melhor na escola, muitas vezes produzindo importantes diferenças em suas vidas. O modafinil (Provigil) ajuda as pessoas a ficar acordadas e é licenciado para o tratamento da narcolepsia, uma condição que causa sono involuntário nos pacientes.
Até aí, ótimo. Mas nos últimos anos houve um aumento sem precedentes no uso de PCEs por pessoas saudáveis. Para muitos estudantes, é difícil resistir à tentação de tomar algumas pílulas para ajudar na concentração, especialmente na época dos exames. A maioria deles considera isso inofensivo e eticamente aceitável. Outros o veem como trapaça, e até hoje poucas universidades têm políticas formais sobre a questão.
Segundo um relatório de 2004 do "Journal of the American Medical Association", cerca de 90% do modafinil são usados por indivíduos saudáveis que não têm problemas de sono. Em março de 2009, uma pesquisa informal com mil estudantes feita pelo jornal "Varsity" dos alunos da Universidade de Cambridge, mostrou que um em cada dez estavam tomando medicamentos controlados para o reforço cognitivo. No ano anterior, a revista "Nature" realizou uma pesquisa com 1.400 cientistas de 60 países. Eles descobriram que um em cada cinco respondentes usavam drogas para reforço cognitivo, e entre eles 62% relataram tomar metilfenidato e 44% modafinil, principalmente para melhorar a concentração; 15% disseram ter tomado betabloqueadores para ansiedade, quando essas drogas são normalmente prescritas para reduzir a pressão sanguínea ou para arritmia cardíaca.
Um professor americano diz que obteve suas drogas através de um médico de atendimento básico, alegando ter "jet lag", enquanto um professor britânico as conseguiu através da Internet para "melhorar a produtividade" e "para importantes desafios intelectuais". Mais preocupante, uma pesquisa de 2009 feita pelo Instituto Nacional dos EUA para Abuso de Drogas (NIDA) descobriu que 1,8% dos jovens de 13 a 14anos, 3,6% de 15 a 16 e 2,1% de 17 a 18 anos abusaram de metilfenidato.
O uso generalizado de drogas para reforço da cognição talvez não seja surpreendente, já que o relatório sobre ciência do cérebro, dependência e drogas da Academia de Ciências Médicas em 2008 sugeriu que uma melhora de 10% na memória poderia levar a uma nota ou classificação maior. Pequenas melhoras no desempenho intelectual podem gerar melhoras significativas nos resultados.
Mas quais são as vantagens e desvantagens de pessoas saudáveis usarem PCEs? No lado positivo, como os PCEs podem ajudar os que têm baixo desempenho cognitivo, talvez fosse possível atenuar os efeitos da pobreza sobre o cérebro por meio de seu uso. Isto poderia ter efeitos positivos na sociedade e na economia em geral: estima-se que um aumento de 3% no QI da população como um todo poderia reduzir os índices de pobreza em até 25% e aumentar o PIB em 1,5%.
É claro que mesmo adultos saudáveis que normalmente funcionam bem não dão o melhor de si necessariamente o tempo todo, por causa de falta de sono, "jet lag" ou outros fatores de estresse. E os PCEs também poderiam nos permitir um melhor desempenho em situações agradáveis e competitivas. Por exemplo, Anjan Chatterjee, um neurologista da Universidade da Pensilvânia, relatou que os músicos muitas vezes usam betabloqueadores para atenuar tremores físicos, melhorando seu desempenho. Psicoestimulantes também são usados para reforçar soldados em combate, trabalhadores em turnos e pilotos.
Mas não se sabe o suficiente sobre os efeitos colaterais em longo prazo dos PCEs, especialmente no cérebro em desenvolvimento. Um relatório de 2009 do NIDA revelou que o modafinil estimulou áreas do cérebro conhecidas por desencadear comportamento que busca drogas e dependência.
Também devemos considerar por que essas drogas são usadas. É a pressão para se sair bem nos exames, fechar um bom negócio ou acompanhar nossa sociedade que incentiva as pessoas a usá-las, em vez de meios tradicionais para aumentar a cognição, como os exercícios?
Claramente, os neurocientistas precisam trabalhar com cientistas sociais, filósofos, éticos, políticos e outros especialistas para estabelecer regras claras, seguras e éticas para o uso de PCEs em pessoas saudáveis. Essa é a única maneira de que os grandes avanços feitos hoje na ciência possam ser utilizados para benefício máximo - com danos mínimos.
(Barbara J. Sahakian é professora de neuropsicologia clínica na Universidade de Cambridge. Ahmed D. Mohamed é aluno de doutorado no Clare Hall, em Cambridge.)
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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