quarta-feira, 31 de março de 2010

Band exibe a origem do Daime

Por: Altino Machado
http://altino.blogspot.com/2010/03/band-exibe-origem-do-daime.html

O Jornal da Band exibirá (na quinta-feira, 1, e na sexta-feira, 2) duas longas reportagens de Valteno de Oliveira e do cinegrafista Eliésio Rodrigues sobre a polêmica a respeito do uso da ayauhuasca (daime) no país.

O Jornal da Band realizou a proeza de entrevistar os dirigentes dos dois centros mais tradicionais do daime - dona Peregrina Gomes Serra, viúva do mestre Raimundo Irineu Serra, fundador do Centro de Iluminação Cristã Luz Universal - Alto Santo, e Francisco Hipólito de Araújo Neto, do Centro Espírita e Culto de Oração Casa de Jesus Fonte de Luz.

Embora avessos a qualquer tipo de divulgação sobre o uso do daime, Peregrina Serra e Francisco Hipólito consideraram oportuna a abertura de seus respectivos centros para a equipe do Jornal da Band após o assassinato do cartunista Glauco e de seu filho Raoni, em São Paulo.

Ao tratar da polêmica sobre o uso do daime, com destaque para os centros de origem, que não enfrentam problemas de ordem pública, o Jornal da Band exibirá o depoimento do senador Tião Viana (PT-AC), pré-candidato ao governo do Acre.

Além da defesa da doutrina do daime, o futuro governador do Acre relata a experiência que teve ao tomar ayahuasca com os índios.

Como esteve no Acre na semana passada, quando não havia concentração ou hinário nos dois centros, o Jornal da Band vai exibir imagens inéditas cedidas pelo Alto Santo. Entre elas, da colheita da folha chacrona e do cipó jagube e do feitio do daime. É reportagem pra valer, feita por quem busca as fontes. Bem diferente da ficção com máscara de jornalismo que tem imperado na mídia a respeito da doutrina fundada pelo negro maranhense Irineu Serra.

terça-feira, 30 de março de 2010

Não há base científica para relacionar o uso da ayahuasca com tendências homicidas

Por: Carlos Minuano, revista Carta Capital

A trágica morte do cartunista Glauco e de seu filho Raoni, assassinados na noite da quinta-feira 11, reacendeu na mídia o debate em torno do uso da ayahuasca, bebida psicoativa de origem amazônica utilizada secularmente por diferentes etnias indígenas e a partir do início do século passado por vários grupos religiosos. Motivo: o assassino Carlos Eduardo Sundfeld Nunes frequentou a igreja do Santo Daime, Céu de Maria, em Osasco, na Grande São Paulo, que utiliza o chá em seus rituais e era dirigida pelo cartunista desde a década de 1990. Para especialistas e pesquisadores da substância, parte da imprensa tropeça em equívocos.

“Pessoas que não conhecem os efeitos deste chá e seus rituais imaginam se tratar de mais uma droga”, observa o médico-psiquiatra Wilson Gonzaga, integrante do grupo multidisciplinar do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad), responsável pela resolução que regulamenta o uso da ayahuasca no Brasil.

Um ponto central a ser esclarecido, segundo Gonzaga, é que a criticada liberação do uso religioso da ayahuasca, em janeiro deste ano, é resultado de um processo de mais de duas décadas que atravessou diversos governos e foi objeto de estudo de importantes cientistas, nacionais e internacionais, nas áreas da psiquiatria, medicina e antropologia. “Para se chegar a esta aprovação foram necessários anos de pesquisas, é ingênuo dizer que o governo foi imprudente, políticos podem ser levianos, mas o Estado não é”, afirma o médico, que participou de todo o processo de legalização e regulamentação do uso da bebida amazônica.

Segundo o médico-psiquiatra Dartiu Xavier, professor da Unifesp e fundador do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad), não existe base científica para associar o consumo do daime a tendências homicidas. “A mídia tem sido tendenciosa, sobretudo neste aspecto.” Xavier reconhece, porém, a existência de casos contraindicados, como o uso concomitante do chá com antidepressivos e o consumo por afetados com psicose. “Pode ser o caso do assassino do Glauco, mas ainda assim se trata de uma afirmação hipotética, não comprovada.”

“Se alguém já tem surtos psicóticos subjacentes, pode eclodir, mas pode ter sido pelo consumo de qualquer droga ilícita, como a cocaína”, pondera o psiquiatra Wilson Gonzaga. Para ele, o que tem ocorrido, em alguns casos, são afirmações fora do contexto e um destaque que leva a uma leitura negativa do uso religioso da bebida amazônica. “Não podemos responsabilizar o chá pelo ocorrido.”

De acordo com Xavier, é possível comprovar, com base em pesquisas recentes, que um número expressivo de dependentes químicos abandonou o vício após ingressarem em grupos que utilizam a bebida psicoativa em seus rituais. Caso, inclusive, do próprio cartunista Glauco. Mas daí a afirmar cientificamente que a ayahuasca pode curar a dependência química há um longo caminho.

Pesquisas avançam, porém, neste sentido. A mais recente foi coordenada pelo próprio Xavier no Departamento de Psiquiatria da Unifesp. O estudo, feito com ratos, buscou investigar o potencial terapêutico da bebida psicoativa e o resultado revoluciona o que se sabia até então. “Verificamos que o chá age em regiões do cérebro onde o vício também atua”, explica o médico.

Os ataques ao culto do Santo Daime e ao uso religioso da ayahuasca também são movidos por grupos que se opõem à recente regulamentação aprovada em nível federal. “Decisão embasada entre outros fatores, no direito à expressão religiosa”, defende Xavier. “Não se pode negar as religiões”, acrescenta o antropólogo Edward MacRae, representante do Ministério da Cultura no Conad e fundador do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (Neip). O antropólogo defende o diálogo. Caminho tomado pela União e que desembocou na atual regulamentação da ayahuasca.

Com o objetivo de realizar uma revisão dos usos da bebida psicoativa ayahuasca, a Secretaria Nacional para Políticas sobre Drogas organizou um grupo multidisciplinar, coordenado pelo Conad, que reuniu cientistas e líderes religiosos durante seis meses. O objetivo era chegar a um documento oficial que norteasse a utilização da bebida. Mas conciliar as interpretações e entendimentos díspares como o religioso e o científico, não foi tarefa simples. “Para os religiosos, a ayahuasca é uma hóstia sagrada que representa Deus”, diz Xavier. O antagonismo gerou uma tremenda saia justa, observa o psiquiatra. “Como questionar se ‘Deus’ estaria prejudicando a saúde?”

Entretanto, o diálogo com os grupos religiosos não fez o trabalho perder seu caráter científico, garante o psiquiatra. Em linhas gerais, o estudo tornou-se uma regulamentação, aprovada pelo Senad e publicada no Diário Oficial da União, em janeiro deste ano, que garante o direito do uso da ayahuasca em contexto religioso. Xavier adverte: “É preciso novas pesquisas”. A comercialização da bebida foi outro ponto discutido na comissão e que, segundo ele, merece atenção redobrada, para evitar abusos. “Neste caso, a recomendação foi para que cada grupo produzisse a bebida para coibir o comércio”, observa.

As religiões ayahuasqueiras – como são conhecidos os cultos que utilizam a bebida – começaram a surgir no Brasil em 1930, segundo a antropóloga Sandra Goulart, doutora em Ciências Sociais pela Unicamp, professora da Faculdade Cásper Líbero e coautora do livro Cultu-ra e Drogas: Novas perspectivas. O primeiro grupo foi o Alto Santo, fundado em Rio Branco, no Acre, pelo maranhense Raimundo Irineu Serra. Na mesma cidade, mais de uma década depois, em 1945, surge a Barquinha, fundada pelo também maranhense Daniel Pereira de Mattos.

Em 1961 nasce a União do Vegetal (UDV), desta vez em Porto Velho, Rondônia, criada pelo baiano José Gabriel da Costa, conhecido como Mestre Gabriel. Segundo Goulart, pouco tempo depois começa um processo de ruptura dentro dessas religiõe-s que fez surgir novos grupos. O principal deles foi idealizado por Sebastião Mota de Melo, fundador do Cefluris, também conhecido como Santo Daime, do qual o cartunista Glauco fazia parte. “A UDV e o Santo Daime são os principais grupos em termos de adeptos e de expansão, no Brasil e no exterior”, observa a antropóloga.

O crescimento acelerado a partir de 1980 faz esses grupos invadirem as grandes metrópoles. O uso da ayahuasca deixa definitivamente de ser um culto amazônico para se tornar um fenômeno urbano, atingindo um público bem diferente dos seringueiros. Artistas, intelectuais, médicos, advogados aderem em massa à emergente religião da floresta. “É neste momento que a ayahuasca começa a ganhar mais visibilidade e a ser inserida no debate sobre drogas nas sociedades contemporâneas”, afirma a antropóloga.

Fonte: Revista Carta Capital
http://cartacapital.com.br/app/materia.jsp?a=2&a2=6&i=6368

Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas lança concursos nacionais

A Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas – SENAD, com o objetivo de incentivar a participação dos diferentes níveis estudantis em atividades culturais de valorização da vida e estimular a mobilização e o engajamento da sociedade nas atividades relacionadas à prevenção do uso de drogas, promove, anualmente, concursos nacionais sobre o tema. Este ano os eventos têm como tema “A juventude na prevenção do uso de drogas”.

O sucesso destes concursos mostra a percepção que a sociedade tem sobre a importância das ações de prevenção do uso de drogas, através de ampla participação de crianças, adolescentes, jovens e adultos.

A SENAD está promovendo os seguintes concursos:

- XI Concurso Nacional de Cartazes, direcionado a estudantes de 1ª a 5ª séries do Ensino Fundamental de 8 anos, ou 2º ao 6º ano do Ensino Fundamental de 9 anos;
- o VIII Concurso Nacional de Fotografia, nas categorias profissional e amador, dirigidos à população em geral;

- o VIII Concurso Nacional de Jingle, com o mesmo perfil do anterior;

- o IX Concurso de Monografia para Estudantes Universitários, com o tema Crack, em parceria com Centro de Integração Empresa/Escola – CIEE.

A entrega da premiação está prevista para acontecer na XII Semana Nacional sobre Drogas, a ser realizada de 19 a 26 de junho de 2010, em Brasília (DF).

Fonte: Senad
http://www.senad.gov.br/

quarta-feira, 24 de março de 2010

Santo Daime: mídia deturpa e agride

http://blogdaamazonia.blog.terra.com.br

Por: Moisés Diniz

A revista Veja acaba de publicar uma sensacionalista reportagem sobre o assassinato do cartunista Glauco Vilas Boas, 53, e de seu filho Raoni, 25. Na reportagem, sem nenhuma base material, a revista acusa o criminoso Carlos Eduardo Sundfeld Nunes, 24, Cadu, de ter ingerido ayahuasca, levando-o a cometer o crime.

De forma irresponsável e leviana, a revista acusa o uso da ayahuasca como causa do crime e passa a agredir a história dos três líderes que, aqui no Acre, fundaram religiões amazônicas, de raízes indígenas: o mestre Raimundo Irineu Serra, o mestre Daniel Pereira de Matos e mestre Gabriel.

Na tentativa de dar base científica à reportagem, a revista Veja produz um Frankenstein de intolerância religiosa, de desinformação e de preconceito com religiões amazônicas e indígenas. Em nenhum momento cita um estudo científico, com suas fontes e suas provas acadêmicas. Quando cita a Associação Brasileira de Psiquiatria, não apresenta nenhum especialista, nenhuma fonte demonstrativa ou qualquer prova do que escreve na reportagem. Apenas apresenta a caricatura de um “bacana” com transtorno psíquico, esquizofrênico, que fumava maconha, e que tinha uma mãe e uma tia-avó também esquizofrênicas.

Não apresenta outros casos semelhantes pelo Brasil afora. São mais de 200 centros, entre União do Vegetal e Santo Daime, com mais de 30 mil seguidores. Por que o caso Glauco deveria servir de regra para uma religião que já completou mais de meio século sem um único caso de violência ou morte entre aqueles que a praticam?

Aqui no Acre, entre as igrejas do Alto Santo, Barquinha e União do Vegetal, são milhares de seguidores gozando de elevada qualidade de vida, respeitados socialmente e livres das pragas do alcoolismo e do consumo de drogas.

Aqui no Acre, entre os seguidores do Santo Daime, da UDV e da Barquinha, há juízes e promotores, jornalistas renomados, deputados e prefeitos, médicos e economistas, empresários, professores de universidades, delegados, policiais, membros de academias e de instituições laicas e respeitadas.

Homens e mulheres que estudam, acessam as bibliotecas e estão informados sobre os avanços da ciência, as curvas da economia e da política e as reportagens fantasiosas, levianas, preconceituosas, anticientíficas e mentirosas de Veja.

Milhares de jovens escaparam das grades dos presídios e até da morte porque abraçaram a religião dos entes mágicos da floresta, das ancestrais aldeias indígenas e da fraternidade de viver como irmãos nos dias de louvor, sob a simplicidade de seus hinos e do consumo ritualístico da ayahuasca.

Não há um único caso de agressão física, de violência, de distúrbio ou de morte entre os seguidores da UDV, do Santo Daime ou da Barquinha, em mais de meio século de religião, entre milhares de seguidores.

A revista Veja deturpou tudo: a história e a resistência dos líderes religiosos, o papel espiritual e social que cumpre as igrejas ayahuasqueiras, a origem indígena milenar e a longa tradição de vida saudável de seus membros. A revista Veja só não esqueceu daquilo que está lhe ficando peculiar: escrever com preconceito e leviandade. Veja sequer respeitou a história.

A ayahuasca serviu como base para o estabelecimento de diferentes tradições espirituais por comunidades indígenas nos países amazônicos desde tempos imemoriais. Os povos indígenas utilizaram a ayahuasca como um elo imaterial com o divino que estava entre as árvores, os lagos silenciosos, os igarapés. É que, para eles, a natureza possuía alma e vontade própria.

Povos indígenas do Brasil, Peru, Bolívia, Colômbia e Equador, há quatro mil anos, utilizam a ayahuasca em seus rituais sagrados, como o padre usa o vinho sacramental na Eucaristia e os indígenas bebem o peyote nas cerimônias sincréticas da Igreja Nativa Americana.

O uso ritualístico da ayahuasca é bem mais antigo que o consumo do saquê ou Ki, bebida sagrada do Xintoísmo, usada a partir de 300 a.C, feito do arroz e fermentado pela saliva feminina, sendo cuspida pelas jovens virgens em tachos.

As origens do uso da ayahuasca nos países amazônicos remontam à Pré-história. Há evidências arqueológicas através de potes e desenhos que nos levam a afirmar que o uso da ayahuasca ocorra desde 2 mil a.C.

A utilização da ayahuasca pelo homem branco é uma acolhida da espiritualidade das florestas tropicais, um banho de rio milenar e sentimental do tempo em que os povos amazônicos viviam em fraternidade econômica e religiosa.

Os ataques ao uso ritualístico-religioso da ayahuasca, como bebida sacramental, nos autoriza a afirmar que podem estar nascendo interesses menos inocentes e mais poderosos do que uma simples preocupação acadêmica com a utilização de substâncias psicoativas.

Nunca é bom esquecer que a ayahuasca é uma substância natural exclusiva das florestas tropicais dos países amazônicos e pode alimentar interesses econômicos relacionados a patentes e elevar a cobiça sobre a nossa inestimável biodiversidade.

Não custa nada ficar alerta para essa esquizofrenia da grande mídia em atacar o uso ritualístico-religioso da ayahuasca. É mais fácil roubar um pão numa padaria do que uma hóstia no altar, mesmo que os dois sejam feitos do mesmo trigo. Por que tanto interesse em dessacralizar o uso da ayahuasca?

A ayahuasca é uma combinação química simples e ao mesmo tempo complexa, que envolve um cipó e um arbusto endêmicos do imenso continente amazônico. Simples porque a sua primitiva química material da floresta é realizada por homens comuns, do pajé ao ayahuasqueiro dos templos amazônicos.

Complexa porque envolve a elevação de indicadores psico-sociais de qualidade de vida e ajuda a atingir estados ampliados de consciência dos usuários. Isso por si só já alça a ayahuasca a um patamar superior no plano do controle científico dessas duas ervas milenares.

Assim, a ayahuasca ganha contornos políticos por envolver recursos florísticos de inestimável valor psico-social e espiritual. Os seus usuários consideram o “vinho das almas” como um instrumento físico-espiritual que favorece a limpeza interior, a introspecção, o autoconhecimento e a meditação.

Utilizar ayahuasca aqui na Amazônia é beber do próprio poço de nossa ancestralidade e da magia que representa a nossa milenar resistência. Aqui na floresta, protegidos pelos entes fortes de nossa religião animista e natural, nossos ancestrais não precisaram “miscigenar” sua fé.

Não foi necessário fazer como os negros escravos, que deram nomes de santos católicos aos seus deuses africanos. Nossos ancestrais indígenas não precisaram batizar Iemanjá de Nossa Senhora ou Oxossi de São Sebastião para se protegerem da fé unilateral do dono da terra e das almas.

É que entre nós a terra era de todos e o único dono era o senhor da chuva, do orvalho e do sol. A beleza coletiva dos recursos naturais era compartilhada por toda a aldeia, do curumim ao sábio ancião.

A ayahuasca era a essência espiritual dessa convivência material fraterna e universal entre as árvores carinhosas, os riachos irmãos, os pássaros cantores, os peixes, as larvas, os insetos, as flores. A ayahuasca ancestral era o elo entre a terra e o espírito.

Se não fosse uma erva espiritual e mágica, trazida pelas mãos milenares dos povos indígenas amazônicos, ela não teria resistido ao tempo. Por isso é natural que a ayahuasca atraia cada vez mais o homem branco, esmagado pelo destrutivo modo de vida urbano, elitista, ocidental, capitalista.

A ayahuasca não é um chá que se consome como se bebe um líquido ácido qualquer. O seu uso é espiritual e envolve aqueles que o utilizam na mais límpida tradição de amar o próximo e reencontrar os valores que perdemos na caminhada do planeta que se dividiu em castas, cores, fronteiras e etnias.

Não entrarei no debate acadêmico sobre o uso de substâncias psicoativas por parte das religiões milenares, das eras pré-colombianas aos templos dos tempos atuais. Não tenho competência para debater os pontos de vista da medicina, da psicologia ou da etnofarmacologia. Ficarei apenas com os resultados do uso milenar da ayahuasca pelos povos indígenas.

A milenar história amazônica não registra casos de morte ou de seqüelas à saúde dos povos indígena por terem utilizado a ayahuasca. Nenhum índio, nesses séculos de consumo da ayahuasca, deu entrada no hospital dos brancos ou foi curado pelos pajés.

A ayahuasca não é “taliban”, seus usuários não constituem nenhuma seita, eles não são fanáticos, não há um único caso de morte ou de castigo físico que tenha sido resultado do seu consumo ritualístico.

O uso ritualístico da ayahuasca não provoca transes místicos ou de possessão. Ela não age no organismo como a antiga bebida hindu, denominada soma, que se divinizou por afastar o sofrimento, embriagando e elevando as forças vitais.

Depois de 4 mil anos de uso sagrado e ritualístico da ayahuasca, os estudiosos da civilização ocidental erguem argumentos anêmicos e endêmicos de uma sociedade que tem medo do “contato” aberto do homem com a natureza. É que eles têm medo da relação amorosa entre o indivíduo e a natureza com os seus elementos poderosos e coletivos.

Os sábios e avançados incas utilizaram a ayahuasca para consolidar-se como povo, como nação e para ajudar no florescimento da cultura, da matemática, da agricultura e da astronomia. Não é qualquer planta ou cipó que faz um povo, uma história milenar, uma religião.

Só não puderam utilizar a sagrada ayahuasca para produzir metálicos fuzis, pois se assim fosse, não teriam sido dizimados pelos invasores espanhóis. Pizarro não consumiu o “cipó dos mortos”, por isso dizimou tantos guerreiros, mulheres índias, donzelas, pajés, curumins.

A ayahuasca resistiu, venceu os invasores e as suas crenças unilaterais, atravessou os séculos, os milênios, unificou as milenares gerações indígenas e suavizou a dor “civilizaria” das eras pós-colombianas.

A ayahuasca é a religião da terra para o céu, da matéria eterna e natural para o infinito do sonho humano, a religião natural. Uma verdadeira e única religião do Brasil, aliás, uma colossal e genuína religião amazônica e indígena.

Encerro esse ensaio com um relato da experiência física de quem fez uso ritualístico-religioso da ayahuasca:

"Lembro de tudo nitidamente. Eu via seres de luz carregando lixo da floresta para dentro de uma caminhonete. Muitos seres e muito lixo. Então perguntei para um deles:

- O que é isso?

Um dos seres me respondeu:

- São as suas máscaras, você não pode ver ainda".

segunda-feira, 22 de março de 2010

A outra face de Glauco Vilas Boas, líder religioso do Santo Daime

Por:
BEATRIZ CAIUBY LABATE
ANTONIO MARQUES ALVES JR.
ISABEL SANTANA DE ROSE

Glauco Vilas Boas partiu e nos deixou com alguns sonhos, utopias e reflexões. Como estudiosos do uso de substâncias psicoativas em geral, e da cultura ayahuasqueira brasileira em particular, gostaríamos de deixar registrada aqui a nossa solidariedade à família e prestar uma homenagem.

Com humor ácido, piadas rápidas e traços limpos, Glauco colaborou para a modernização do projeto gráfico e do estilo dos cartoons brasileiros em um período que coincidiu com o advento de uma geração pós-ditadura. Seus trabalhos abordavam temas do cotidiano como problemas conjugais, neurose, solidão e violência urbana, que eram sempre retratados com humor. Difícil algum de nós não ter em algum momento recebido inspiração das tiradas bem-humoradas dos personagens que Glauco criou. Mais difícil ainda para a maioria dos admiradores do cartunista é imaginar que por trás daquela irreverência toda habitava outro personagem, o do sacerdote de uma grande comunidade do Santo Daime, que recebia adeptos e visitantes de todos os pontos da cidade de São Paulo, de outros Estados e mesmo do exterior. Infelizmente foi através de uma tragédia violenta que o país conheceu a face íntima deste homem carismático, que influenciou toda uma geração de jovens e artistas.

Glauco conheceu o Santo Daime em uma casa na rua Cardeal Arcoverde, local em que se reunia um pequeno grupo de pessoas que veio a compor o grupo original da Flor das Águas, a primeira igreja daimista em São Paulo, fundada em 1988, em São Lourenço da Serra, e hoje extinta. (Lembremo-nos que as primeiras igrejas daimistas fora da região amazônica foram o Céu do Mar, no Rio de Janeiro; o Céu da Montanha, em Mauá, e o Céu do Planalto, em Brasília, inauguradas no começo da década de 80).

Depois de participar da Flor das Águas, Glauco começou às suas próprias atividades numa pequena cobertura nos fundos do quintal de sua casa no Butantã, em 1993, fundando a então pequena igreja Céu de Maria.

Posteriormente, o grupo mudou-se para uma região localizada nas cercanias do pico do Jaraguá. Esta igreja, talvez para sua própria surpresa, lentamente transformou-se em um dos maiores centros deste movimento religioso fora da floresta amazônica. Pode-se dizer, assim, que o Céu de Maria é uma expressão da intensa expansão vivida pelo Santo Daime desde sua tímida saída da região amazônica, no final dos anos 70, à sua progressiva instalação nas grandes cidades do Brasil e do mundo. A igreja tem sido para muitos cidadãos urbanos uma porta de entrada no universo encantado do Santo Daime e seu panteão de seres divinos. Sem dúvida, é o maior ícone desta religião na cidade de São Paulo.

O próprio Glauco foi uma testemunha das profundas transformações possibilitadas pelo encontro com o Daime --bebida que é tida como um Mestre Ensinador, ou o Professor dos Professores, que teria sido entregue aos homens pela Rainha da Floresta. Foram essas transformações que o motivaram a, por meio das práticas espirituais daimistas, fornecer a toda uma geração de homens e mulheres um encontro com a dimensão espiritual da existência.

Músico talentoso, tocava a sanfona durante os rituais, e "recebeu" (por inspiração divina, seguindo a tradição daimista) dois hinários, "Chaverinho" e "Chaveirão", compostos por 42 e 11 hinos (cantos), respectivamente. O seu hino mais conhecido é o 19 do "Chaveirinho", intitulado emblematicamente "São Paulo", que afirma em um de seus versos: "Eu vou receber esta força... a força do meu Senhor... para fundar com meu São Paulo... uma casa de amor." A igreja, um refúgio verde em meio à cidade, possui uma paisagem ímpar. Talvez de nenhum outro lugar seja possível capturar uma visão tão panorâmica da cidade. De lá o navegante pode avistar São Paulo do alto --em toda a sua forma caótica, frenética e amorfa-- ao fundo de cantos daimistas em cerimônias que costuma durar até quinze horas.

Glauco liderava os trabalhos com enorme humildade, rejeitando o título de "padrinho" (um dos modos como são designados os dirigentes espirituais do Santo Daime), e falando pouco; eventualmente podia fazer uma piada ou trocadilho, também ensinando seus seguidores através do humor e da alegria, seus maiores talentos. Sua residência, ao lado da igreja, funcionava como uma espécie de embaixada de assuntos da Amazônia na megalópole, estando sempre cheia de gente. Ele conduzia a igreja com auxílio da sua família, entre eles, Raoni.

O jovem universitário também era músico, e tocava violão durante as cerimônias. Ele tinha planos, aliás, de abrir uma fábrica de violões. O Céu de Maria, sob o comando de Glauco e sua equipe, ficou conhecido pelo primor do canto e dos instrumentos musicais. Vale lembrar que a música, conforme alguns de nós têm estudado, ocupa um papel central no Santo Daime, que também é chamado de "doutrina musical".

Sua arraigada fé cristã aliada às práticas xamânicas dos caboclos da floresta é bem ilustrada por um episódio que marca o início do Céu de Maria. Ao se mudar para a casa no Butantã que sediaria também as primeiras práticas rituais de sua nova igreja, se deparou com um pequeno grupo de meninos de rua que viviam na casa até então abandonada. Em vez de expulsá-los, iniciou com eles mesmo seus rituais, retirando alguns deles das ruas. Alguns, já adultos, até hoje comungam com ele o Santo Daime.

Esse tipo de coragem e fé encontrou ressonância em extensas camadas da classe média urbana que se aglutinaram em torno de sua igreja. E como acontece com toda igreja, o Céu de Maria também atraiu aflitos, em busca de redenção espiritual para seus males. A multidão consternada que compareceu ao enterro de Glauco testemunha o profundo amor que ele conseguiu despertar e o reconhecimento do papel positivo que representou para todos. Ainda que este "Céu" daimista na terra certamente continue existindo sem a presença de Glauco, ele vai nos fazer muita falta. O triste ocorrido, contudo, não deve ser um obstáculo para impedir o florescimento pleno da cultura daimista em nosso país. Ao contrário, sua trajetória deve servir de inspiração para as futuras gerações.

Beatriz Caiuby Labate é antropóloga pesquisadora associada do Instituto de Psicologia Médica da Universidade de Heidelberg

Antônio Marques Alves Jr. é mestre em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Isabel Santana de Rose é doutoranda em Antropologia Social pela Universidade Federal de Santa Catarina

sexta-feira, 19 de março de 2010

Dissertação de mestrado em História na UFPE sobre religiosidade acreana

Olá amigos. Encontrei no Scribd uma dissertação aqui da UFPE, defendida no Programa de Pós-Graduação em História no ano de 2002. Trata-se do trabalho intitulado "De folha e cipó é a capelinha de São Francisco: a religiosidade popular na cidade de Rio Branco - Acre (1945-1958)". Escrito por Rosana Oliveira e orientado pela professora Dra. Silvia Cortez Silva , o texto dissertativo aborda as novas expressões religiosas que surgiram nos arredores de Rio Branco nas décadas de 30 e 40, incluindo nesse universo o Alto Santo, estabelecido pelo Mestre Irinéu, e a linha da Barquinha, estabelecida por Daniel Pereira de Matos. Mais uma produção aqui do estado disponível no Scribd no endereço: http://www.scribd.com/doc/26017497/Rosana-Oliveira-Dissertacao-sobre-Barquinha

José Arturo Escobar torna-se pesquisador do NEIP

Amigos... O estado de Pernambuco tem mais um representante no Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (NEIP). Trata-se do José Arturo Costa Escobar meu grande amigo biólogo, mestre em Psicologia Cognitiva e doutorando deste mesmo curso aqui na UFPE. Arturo defendeu sua dissertação no ano de 2008, onde investigou as nuances psico-cognitivas emergentes em usuários de cogumelos mágicos (Psilocybes Cubensis) num trabalho singular que merece ser lido, debatido e revisitado. Por enquanto sua dissertação pode ser lida no site do Scribd no endereço: http://www.scribd.com/doc/16265922/CogumelosMagicosDissertacaoUFPE2008

Email do José Arturo: jac_escobar@yahoo.com.br

Parabéns amigo. Seja bem vindo ao nosso núcleo.

Lançamento do livro: "Drogas e Cultura: novas perpectivas", uma publicação do Ministério da Cultura

Caros amigos. O Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos convida todos para o lançamento do nosso livro do NEIP (www.neip.info) "Drogas e Cultura: novas perpectivas", uma publicação do Ministério da Cultura. O evento contará com mesas redondas, apresentações musicais e uma homenagem a Glauco Villas Boas, líder daimista recentemente assassinado em São Paulo.

Dia: 23 de março (terça-feira). Horário: das 15:00hs às 20:00hs. Local: Centro Cultural São Paulo - sala Adoniran Barbosa, São Paulo, SP.

Presenças confirmadas: Juca Ferreira - Ministro de Estado da Cultura; ex- presidente Fernando Henrique Cardoso, Carlos Augusto Calil - Secretário Municipal de Cultura de SP; Jorge da Silva –Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia e do Fórum Viva Rio; co-organizadores do livro: Edward MacRae, Mauricio Fiore, Sandra Goulart, Henrique Carneiro; o pesquisador do NEIP (www.neip.info) Antonio(Gê) Marques. Apresentação com os músicos Solares do Reino do Sol e Degregadados Filhos de Eva da Porta do Sol. Compareçam e divulguem!

domingo, 14 de março de 2010

A história do cartunista Glauco e a caridade de alto risco

Amigos... A comunidade daimista encontra-se de luto devido ao assassinato do padrinho Glauco em São Paulo. Mando para vocês um pouco da história desse personagem muito importante no universo ayahuasqueiro e que empreendia ações relativas à caridade de alto risco, mediante os trabalhos com essa bebida de poder. Luz, paz e amor...

Por: Inês Castilho

A história de nossa Igreja

Os Traços do Espírito
Conhecido como cartunista de humor, o criador do Geraldão, da Dona Marta, do Zé do Apocalipse e do Casal Neuras aprendeu a sonhar com Castañeda e tornou-se um líder espiritual do Santo Daime.
Ferve o caldeirão de raças e culturas brasileiras. De um lado, o culto do Santo Daime, criado na Amazônia dos anos 30 pelo negro maranhense Raimundo Irineu Serra. De outro, a febril atividade da imprensa alternativa do Rio de Janeiro e de São Paulo, na luta contra a ditadura militar. Como imaginar que histórias tão dessemelhantes viessem a se encontrar, miscigenar, dar frutos? Pois assim sucedeu. E a costura foi feita por Glauco Vilas Boas, o Glauco.
Pouca gente sabe mas o criador do Geraldão, do Geraldinho, do Casal Neuras, da Dona Marta, do Zé do Apocalipse, do Doy Jorge, do Netão, da Picadinha, d'Ozetês, o cartunista das charges políticas, publicado pela Folha de S.Paulo desde 1977-"são 26 anos, vixe!" - tornou-se um líder espiritual. Juntou um povo e ergueu uma igreja do Santo Daime no Morro de Santa Fé, próximo do Pico do Jaraguá, na Grande São Paulo, pela qual já passaram milhares de pessoas. "Muita gente se conheceu dentro do salão e se casou - já são mais de 20 crianças exclusivas da igreja Céu de Maria", diz, satisfeito. E resume, certeiro: "É uma faculdade da Nova Era."
As mãos de Deus estão tecendo a rede. Mexendo o doce. Desde quando a história começou, em 1993 - numa casinha no bairro do Butantã, depois numa maior, na entrada da Cidade Universitária, até chegar a esse morro -, o ponto foi se firmando, virou igreja e, em 2000, acabou escolhida igreja oficial de São Paulo. Uma irmandade está indo morar à sua volta. "É um condomínio de daimistas", explica Glauco. "Batizado de Vila Astral pelo Padrinho Alfredo." Padrinho Alfredo, filho do Padrinho Sebastião, comanda a doutrina desde a morte do pai, em 1990. "É isso aí, não tem mistério", diz ele.
Mistério tem. Porque a história começou muito antes, quando ele aprendeu a sonhar. Glauco relata coincidências. Agradece a sorte (mas sorte é poder pessoal, diz Carlos Castañeda). Sorte de ter encontrado, ainda em Jandaia do Sul, Paraná, onde nasceu, um amigo que lhe apresentou o Pasquim e os Beatles, e com quem criou seus primeiros quadrinhos. De ter topado com dois mestres do jornalismo logo que chegou a Ribeirão Preto, interior de São Paulo. De ter sido premiado no Salão Internacional de Humor de Piracicaba em 1977, justo quando todo seu panteão - Henfil, Angeli, Jaguar, Millôr, Ziraldo, os Caruso - fazia parte do júri. De ter sido hospedado pelo Henfil e adotado pelo Angeli ao chegar a São Paulo.
Em 1975, 18 anos, Glauco foi morar em Ribeirão e logo deu as caras no jornal editado por José Hamilton Ribeiro. "A cidade tinha uma safra de feras - o Sérgio de Souza, depois do Bondlinho, também foi para lá montar um jornal alternativo." (Para quem não sabe, José Hamilton Ribeiro fez a cobertura, pela Realidade, da Guerra do Vietnã. Sérgio de Souza, o Serjão, foi seu companheiro de Realidade e é o criador da revista Caros Amigos).
Zé Hamilton Ribeiro lhe ofereceu emprego. "Foi meu primeiro padrinho", diz Glauco, que já tinha dois personagens, Rei Magro e Dragolino. "Eles passavam o dia todo queimando um", lembra. Zé Hamilton também se recorda. "Percebi que estava diante de alguém especial - o artista capta sinais que a gente, comum, não percebe. Sua presença física já era de oposição." Sobre o Glauco e o amigo Sérgio de Souza, diz: "Bom mesmo são as pessoas que conseguem fundar sua própria igreja - não sobre pilares de ouro, pois essas podem ser roubadas, mas sobre os pilares do espírito".
Outros padrinhos se seguiram. O cartunista Angeli, que editava o Vira Lata no folhetim dos tempos do Tarso de Castro, começou a publicar seu trabalho. O Henfil, sua maior influência desde que conheceu o Pasquim, o hospedou durante nove meses. "Estou falando com Deus, pensava, quando conheci o Henfil. Os Fradinhos, aquele traço todo solto, o uso do palavrão - o trabalho dele era um avanço muito grande".
Na sombra do cartunista, contudo, nascia o sonhador. Glauco aprendeu a sonhar consciente com o livro A Erva do Diabo, de Carlos Castañeda. "Através das instruções dele passei a sair do corpo e a comprovar que estive em certos lugares - perdi muito tempo com isso. Eu ia lá na frente da redação do jornal, sonhando, ia lá e decorava o número do poste, numa plaquinha. Acordava e ia correndo ver - estava lá! Passei uma época obcecado em convencer minha razão".
Foi quando sonhou com o Padrinho Eduardo, que ainda não conhecia. No sonho um índio dizia, dirigindo-se a uma multidão diante dos dois - olha, é ele quem vai levar vocês. Acordou achando que tinha sonhado com Dom Juan Matus, o feiticeiro yaqui de quem Castañeda foi aprendiz. "Parecia um inca - um narigão, baixinho, atarracadinho... nunca esqueci aquele véinho." Foi a sinalização do caminho para o Santo Daime.
Com The Teachings of Don Juan (títu­lo original e mais sensato de A Erva do Diabo), o antropólogo Carlos Castañeda abria, em 1968, uma corrente de atenção para as plantas de poder dos índios ame­ricanos. "Ele devolveu um valor que estava sendo deixado de lado, que é prestar atenção nas plantas professoras dos nossos caboclos." Muita gente considerava aquilo alienante. Mas Glauco, cartunista de esquerda, convivia também com o Budismo, com Osho... "A antropofagia me ensinava a possibilidade de freqüentar todas essas linhas".
A oportunidade de conhecer o Daime sempre lhe escapava. Até que um dia... "baixou o Zé do Apocalipse numa roda de bar e comecei a alugar o povo com disco voador, Eubiose, Dorn Bosco, Smetack, Madame Blavatsky, Rudolf Steiner, o Brasil sendo a pátria da Nova Era pela mistura das raças. A moçada pensando: esse cara é doido! Fiquei meio puto e intimei meus guias - vocês têm dez minutos para mandar um veio de luz para me ajudar, falei com meus botões. E fiquei olhando o relógio." No final do tempo chegou Leo Christo, psicólogo mineiro, irmão do Frei Betto." Estava te esperando desde a índia, veio", o Glauco disse para ele - que só relaxou quando soube que se tratava do criador do Geraldão.
Era 1989 e o Leo lhe apresentou o Daime. Glauco começou a freqüentar a comunidade de Visconde de Mauá, na fronteira do Rio com Minas Gerais, liderada pelo escritor, poeta e ex-guerrilheiro Alex Polari de Alverga. Com ele foi ao Céu do Mapiá, a comunidade-mãe do Santo Daime, na Amazônia. E foi lá, no primeiro trabalho de que participou, que viu Padrinho Eduardo, o véinho do sonho. "Entendi que aquilo de ele dizer, no sonho, para a multidão – “é ele quem vai levar vocês...” — significava que eu ia levar um povo para o Mapiá. E criei coragem para abrir um ponto do Daime".
Glauco inaugurou um grupo de estudos, o que causou certo incômodo nos daimistas de São Paulo." Mas devagarinho o pessoal entendeu que vinha chegando uma moçada com o meu jeitão - estudantes, o pessoal da night, os viciados, toda a fauna paulista. O sonho era a procuração para me dar coragem." O ponto em frente à USP exigiu mesmo muita coragem. Quando foi alugada, a casa estava ocupada por meninos de rua. Na frente dela trabalhavam prostitutas e travestis. A cada trabalho os vizinhos chamavam a polícia. Um clima meio dark, digamos.
"Mas tinha uma luz que transcende essa trevinha", diz Glauco. "Era o amor do Cristo, mesmo, que eu sentia. Quando abri o portão daquela casa tinha dez meninos de rua ali no fundo, numa fuinha, atocaiada. Um pacotinho, de presente, pronto para começar o trabalho. Lembrei-me do banquete do Cristo, quando Ele convidou todo mundo, mas estavam todos ocupados com seus negócios. E aí Ele chamou o povão, os simples, os desvalidos. Quando o Céu de Maria abriu ali, senti que tinha a força da caridade contra a miséria humana. Dois daqueles meninos estão comigo até hoje".
Glauco colheu ali o seu povo. "Chegaram os artistas, a turma da Vila Madalena." E as mulheres. Primeiro a Kiki, madrinha da Flor das Águas, igreja pioeira de São Paulo. Em seguida, as irmãs Paula e Bia, que se tornaram o esteio da casa. Depois as irmãs Silvia e Lu, filhas do Serjão de Souza.
Com a união entre Bia e Glauco, firmava-se a igreja. "A Bia me ajudou muito a chegar a esse grau do Céu de Maria", diz Glauco. "A Juliana também, ela segurou o canto, junto com a Gercila, do Mapiá." O Céu de Maria cresceu e se mudou para o Pico do Jaraguá. Glauco e Bia construíram ao lado da igreja uma casa que está sempre cheia de mapienses. Padrinho Eduardo, que já ficava muito em São Paulo, veio morar no condomínio com Tonho, o filho dele.
A energia que rege o Céu de Maria é feminina, diz Glauco. "Mestre Irineu recebeu a doutrina da Virgem Mãe, o Padrinho Sebastião falava da força e da firmeza das mulheres. A música aqui é firmada nas mulheres." A música é o elemento ritual que lhe é mais caro. O canto e os instrumentos - violão, flauta, percussão, o Glauco sempre na sanfona -são a base de um bom trabalho. "Se estiver desafinado.o couro come." Ele considera os hinos do Daime um tesouro musical. Seu hinário, o Chaveirinho, traz os hinos ofertados pêlos padrinhos e os 37 que recebeu até agora (no Daime, hinos não são compostos, mas "recebidos").
O culto do Santo Daime, que consagra o uso da ayahuasca, tem raízes na imemorial utilização de plantas de poder pelas tribos indígenas da América, nos rituais de xamanismo, nos movimentos messiânicos do Brasil e nas formas de produção não-capitalista incrustadas no sistema. Há vários livros publicados sobre o assunto. Podem também ser encontrados os relatórios do Conselho Federal de Entorpecentes, elaborados nas ocasiões em que foi chamado a deliberar, e sempre liberou, o uso dessa substância psicoativa em rituais coletivos.
O chá, feito das plantas professoras Banisteriopsis caapi (cipó) e Psychotria viridis (folha rainha), tem reconhecido poder de cura, particularmente da de­pendência de drogas, álcool, nicotina. "É um dos poucos lugares onde o pessoal consegue se recuperar do crack, uma droga devastadora. Já existem muitos depoimentos de pessoas que se curaram aqui", afirma Glauco. Há também relatos de estabilização de casos de Aids e câncer. "A cura todos vivem, seja ela física, mental ou espiritual. Se você está harmoniza­do, o Daime lhe mostra realidades muito finas, superiores. Mas enquanto não arruma a casa não dá para sintonizar naquela FM do astral", diz.
Glauco considera que estamos vivendo, há tempos, um apocalipse ambiental. Mas tem esperança na consciência que vê despertar no mundo. "Vai que, de repente, vira e o povo começa a dar valor a essa cultura que sempre negou, acho que dá tempo de mudar." Sua ligação com os índios é forte. Os dois filhos, ambos com 18 anos, têm nomes indígenas - Ipojucam e Raoni, este já iniciado na doutrina. "O Daime é uma floresta concentrada. Quando entrei na mata pela primeira vez senti que era habitada, cheia de seres espirituais. Cada árvore derrubada tinha uma energia espiritual que não vai mais poder ser aparelhada. Mas acho que o Brasil ainda tem muita mata, dá para a gente acordar, para segurar esse povo".

terça-feira, 9 de março de 2010

Seleção para doutorado em Filosofia em parceria com UFRN e UFPB

Por Ascom UFPE.

Até o dia 12 de abril vão estar abertas as inscrições para a seleção ao doutorado do Programa Integrado de Pós-Graduação em Filosofia (PIDFIL), fruto de parceria entre a UFPE e as Universidades Federais do Rio Grande do Norte e da Paraíba (UFRN e UFPB). As inscrições podem ser feitas nas secretarias dos programas de pós-graduação de cada universidade.

O Programa tem como área de concentração Filosofia e possui três linhas de pesquisa: Filosofia Prática (Ética e Filosofia Política), Metafísica e Filosofia Analítica. Estão sendo oferecidas 19 vagas, de acordo com a disponibilidade dos professores. O candidato deve entrar em contato com a Coordenação Geral do Programa (atualmente em Natal) ou com as Coordenações Locais em João Pessoa e Recife para obter informações sobre os possíveis orientadores para o projeto de tese.

O processo seletivo será realizado em Natal/RN, nas dependências do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da UFRN, entre 26 e 30 de abril de 2010.

Mais informações:

Edital:
http://www.propesq.ufpe.br/images/propesq/posgraduacao/editais_pos/filosofia_doutorado_2010.1.pdf

Ficha de Inscrição:
http://www.propesq.ufpe.br/images/propesq/posgraduacao/editais_pos/ficha_de_inscricao.pdf

Carta de Aceite:
http://www.propesq.ufpe.br/images/propesq/posgraduacao/editais_pos/carta_de_aceite.pdf

sábado, 6 de março de 2010

A Ciência que Veio da Lama

Semana Chico Science Propagando tá ligado?!

Por vezes, há o desejo de celebrar a vida. No próximo dia 13 de março, Chico completaria 44 anos e sabe-se lá que experimentos afrociberdélicos o malungo estaria aprontando se ainda excurssionasse entre o calçamento e o mangue. A partir desse mote, o Memorial Chico Science realiza a Semana Chico Science Propagando, evento com uma semana de duração que contará com seminários e laborátorios responsáveis por oferecer novas visões, possibilidades e ações como reflexo do movimento mangue nos anos 90. O Memorial convidou como curador e mediador dos seminários o jornalista, escritor, produtor musical e pesquisador, Alex Antunes, que, na construção dos temas de cada seminário enfatizou aspectos presentes desde a gênese do manguebeat. Ainda nesse contexto haverá o Pátio Sonoro, uma série de shows toda sexta do mês com artistas de Recife, São Paulo e França, performatizando suas propostas sonoras e visuais.Assim sendo, o Memorial Chico Science convida todos a integrar esse sistema traduzido na Semana Chico Science Propagando, onde uma fração do legado do Dr. Charles Zambohead será exposto na Manguetown.

Xila, Relê, Domilindró!

Maiores informações no site:
http://semanachicoscience.wordpress.com/

quinta-feira, 4 de março de 2010

Abertas inscrições para submissão de trabalhos na 27RBA

Home Page do Evento: http://www.abant.org.br/27rba/

A diretoria da ABA e Comissão Coordenadora da 27ª. Reunião Brasileira de Antropologia tem imensa satisfação de disponibilizar o sitio eletrônico da 27ª. Reunião Brasileira de Antropologia para seus associados, assim como para outros acadêmicos e profissionais interessados em participar dos diálogos crescentemente transversais entre a Antropologia e outros campos científicos.


Além das informações sobre o congresso de maior importância para a Antropologia no Brasil, são disponibilizados os sistemas de inscrições e submissão de trabalhos para comporem a programação final do evento, que ocorrerá na cidade de Belém, Estado do Pará, sob os generosos auspícios da Universidade Federal do Pará-UFPA, tendo a frente da organização os membros de seu Laboratório de Antropologia Napoleão Figueiredo e o recém implantado Programa de Pós-Graduação em Antropologia.

O prazo para inscrições e submissão de propostas de trabalho aos associados e outros interessados estende-se até o dia 10 de abril de 2010. Ressaltamos, contudo, a importância de que as inscrições sejam feitas o mais cedo possível para facilitar o trabalho de organização final da programação e comunicação dos resultados da avaliação.


As informações sobre o evento se encontram postadas neste sítio e serão regularmente atualizadas, assim como serão disponibilizadas as notícias e demais informações atualizadas pertinentes ao evento.